domingo, 12 de dezembro de 2010

O Ser e o Nada

Antes de qualquer coisa, essa postagem não é um resumo do livro O Ser e o Nada de Jean Paul Sartre, mas sim uma elucidação dos conceitos de ser, não-ser (O nada), ser-em-si e de ser-para-si. A relação entre esses conceitos é fundamental para a compreensão da filosofia de Sartre, pois "a lógica deste relacionamento [Do ser com o nada] é o ponto-chave na simplificação das complexidades de Sartre e no entendimento de suas muitas formuações paradoxais" (Gary Cox). Só para prevenir os leitores desavisados, a estrutura dessa relação é paradoxal, especialmente quando se trata do para-si. É bom levar em conta que o ser e o nada são somente abstrações utilizadas para explicar a realidade, são como, na física, decompor um vetor para facilitar o entendimento. O que existe na verdade, para Hegel, é o devir.
Primeiramente, é notável que: o ser é e o nada (não-ser) não é. Por isso existe uma dependência do não-ser (Que é o nada) para com o ser, pois o não-ser é uma negação do ser e, portanto, não pode existir sem o ser. Já o ser não é dependente do não-ser, ao menos não ontologicamente. Contudo, epistemologicamente, o ser precisa do não-ser para se determinar e se revelar.¹ O que ele quer dizer é que o não-ser não é preciso para o ser do ser, enquanto o ser é exigido para o não ser do não-ser. Disso decorre que o ser e o não-ser não são contemporâneos, uma vez que "logicamente, o nada é subseqüente ao ser, pois [O ser] é primeiramente posicionado e depois negado". Assim, o ser tem que existir antes do não-ser, pois é necessário que o ser exista antes para possibilitar a sua negação, que é o não-ser. Já que o ser existe antes do não-ser, ele não pode necessitar do não-ser como seu fundamento, ele precisa positivar-se em si mesmo, ou, como Sartre prefere dizer, o ser precisa ser em-si mesmo. "O ser é. O ser é em-si mesmo. O ser é o que é". Ele chama então, o ser de ser-em-si, mas o abrevia freqüentemente para em-si. O filósofo faz então alguns comentários sobre o ser e o não-ser: "se eu recusar permitir ao ser alguma determinação ou conteúdo, sou, entratanto, forçado a afirmar pelo menos que ele o é. Portanto, deixe qualquer um negar o ser sempre que quiser, ele jamais poderá fazer com que ele não seja, graças ao próprio fato de negar que ele é isso ou aquilo". A partir dessas conclusões, o existencialista afirma que o ser-em-si é o que é e não é o que não é, todavia, o que não é (O nada ou não-ser) é. É claro que o não-ser não é no sentido de ser - isso implicaria num não-ser indistinguível do ser-em-si -, mas no sentido de ter que ser. Em contraste com o ser-em-si, que simplesmente é, sem ter que atingir seu ser, o não-ser que antingir por si mesmo seu ser como o não ser do ser-em-si, negando perpetuamente o ser-em-si. Logo, Sartre denomina o não-ser como em-si também (Explicarei o porquê melhor em seguida*), mas abrevia-o como para-si. A partir deste ponto, já começam deduções mais ou menos contraditórias sobre esses estados que tentarei explicar simplificando na medida do possível.
Com esses fatos em mente, o não-ser se torna o estado eternamente desejado pelo para-si, uma vez que, se o para-si atingisse o não-ser, ele não seria por si próprio - *e por isso foi denominado como em-si também -, o para-si não precisaria do ser para negá-lo e, portanto, é impossível o para-si atingir o estágio de não-ser. O não-ser-em-si é então chamado por Sartre de para-si-em-si. Para simplificar, o para-si deve ser pensado como uma negação perpétua do ser, e não a negação do ser-em-si; ou seja, o para-si é o não-ser do ser, e não o não-ser do ser-em-si, que é o para-si-em-si, que por sua vez, é a negação-em-si. Aqui gostaria de abrir um parenteses para demonstrar mais um meio de justificar o ateísmo. Essa negação-em-si (Para-si-em-si) supõe que a sua essência reside nessa mesma negação, fazendo-a existir por si só. Aí encontramos o ateísmo, pois o argumento ontológico para a existência de Deus (inicialmente formulado pelo clero Anselmo no Proslogion) é que sua essência e existência são a mesma coisa. Contudo, é impossível o nada possuir sua essência em si mesmo, pois ele é uma negação do ser-em-si, e , portanto, necessita do ser-em-si para negá-lo e existir. Voltando ao para-si, Sartre o definiu certa vez como "um ser que não é o que é [o ser] e que é aquilo que não é [o nada]".
Depois de toda essa teoria um pouco repetitiva chega a parte interessante, a consciência. A consciência é ontologicamente um não-ser em relação ao ser, em outras palavras, ela é uma negação do ser. Todas as pessoas são então uma relação de um para-si (A consciência) com um em-si (Um objeto por exemplo). Devido a isso, todos são livres, pois o para-si não possui essência definida, é a consciência que molda a sua própria essência. A consciência então transcende, pois o para-si é um movimento para além de si, dando um caráter relacional à realidade humana, se relacionando consigo mesmo e com os objetos a sua volta. Para terminar, a consciência só existe sendo consciência de algo, ela existe até onde pretende ser algo mais, e isso é chamado pela fenomenologia de intencionalidade. (De modo algum a "parte interessante" acaba por aqui, mas achei melhor deixar pra próxima).

1 - O ser, que por si só é indeterminado (por que o ser é, e nada mais; ou seja, o ser é um vazio de todas as outras determinações além da de ser), somente poderá adquirir conhecimento sobre si por meio da reflexão. A reflexão necessita que exista uma diferença entre o que reflete e o que é refletido. Sendo assim, o não-ser é necessário para que o ser tome conhecimentos sobre si próprio.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Marx (2): O Início do Marxismo

Na postagem anterior sobre Marx foram citadas então duas concepções importantes dele: uma de que a economia é a principal forma da alienação da humanidade e a outra, que diz que a emancipação da humanidade da dominação pela economia terá de ser feita pela classe trabalhador. Já nessa, serão demonstrados alguns conceitos encontrados em "O Capital" e nos "Manuscritos econômico-filosóficos".
Após ter iniciado seu estudo sobre economia e utilizando seu conhecimento sobre as teorias econômicas clássicas de Adam Smith e J-B. Say , Karl demonstra de forma bem simples como o trabalhador se tornara apenas uma mera mercadoria, estando sujeito assim, às leis da oferta e procura.

Seu raciocínio é, resumidamente, o seguinte: se a oferta de trabalhadores excede a demanda, os salários sofrerão uma queda. Assim, os salários tendem a se manter mais baixos o possível, só sendo necessário estar num nível suficiente para que haja a manutenção de uma oferta suficiente de trabalhadores vivos. Essa conclusão se torna mais clara a partir da observação, também depreendida da economia clássica, de que os capitalistas obtém seu lucro por meio da exploração de seus empregados; ou seja, eles conseguem seu lucro devido a horas não pagas de trabalho do proletariado, que é o que Marx denominou de mais-valia . Assim, o capital nada mais é além de trabalho acumulado e ,com esse capital excedente, se constroem fábricas maiores com mais máquinas. Isso aumenta a divisão do trabalho, deixando mais trabalhores sem serviço, o que intensifica a competição entre os trabalhadores e abaixa os salários.
É importante ressaltar que Marx não pretendia ser um economista nem escrever como um, ele só desejava "elevar o nível da ciência econômica", pois tal ciência simplesmente aceitava uma série de absurdos, como: a propriedade privada, a ganância, a competição etc. Ele pretende trazer a tona questões mais amplas e triviais ao homem, já que "É evidente que a economia estabelece uma forma alienada de intercurso social como a forma essencial, original e natural".
Ainda nos manuscritos, Karl alega que é na produção que os seres humanos se revelam pertencentes à mesma espécie. A razão disso é que "enquanto animais só produzem para satisfazer suas necessidade imediatas, os seres humanos podem produzir de acordo com padrões universais, livres de qualquer necessidade imediata" - por exemplo, de acordo com padrões de beleza. Segundo essa ideia, o trabalho como atividade produtiva livre é a essência da vida humana. Como consequência, o que quer que se produza desse modo é a essência da vida humana transformado num objeto físico (é o que ele chama de "objetificação do ser específico do homem"). Porém, em condições de trabalho alienado, os trabalhadores se encontram alienados de sua essência humana; em outras palavras, como os trabalhadores têm que produzir coisas sobre as quais não possuem nenhum controle, pois elas pertencem aos seus empregadores, e que são usadas contra eles mesmos (por aumentar a riqueza e o poder dos empregadores), os proletariados acabam se alienando de sua humanidade essencial. Algumas consequências desse processo são: a o estado de alienação dos homens uns dos outros, a atividade produtiva se torna "atividade sob a dominação, a coerção e o jugo de outro homem" e, em decorrência disso tudo, ao invés de nos relacionarmos cooperativamente, nos relacionamos competitivamente. Por isso, os seres humanos deixam de se reconhecer uns nos outros e vêem-se uns aos outros como instrumentos para promover seus próprios interesses egoístas. Essas são as primeiras críticas de Marx à economia, sendo elas formadoras da sua concepção acerca do que estaria realmente errado com a condição da humanidade.
Agora, há uma próxima questão, a qual é muito provável você já tenha se perguntado, a ser tratada. Ei-la : o que deve ser feito a respeito disso? Para Marx a resposta não é uma elevação dos salários, nem mesmo um salário igual para todos como havia proposto Proudhon, pois não seria "nada além de um salário de escravo melhor", já que esse salário igual não devolveria a importância e dignidade dos trabalhadores. O estabelecimento de salários iguais só substituiria os capitalistas individuais por um capitalista global, a própria sociedade. Além disso, o trabalho em troca de salário não é uma atividade produtiva livre. Logo, a solução é a abolição do salário, do trabalho alienado e da propriedade privada. Por esse motivo é que "O comunismo [...] é a solução genuína do antagonismo entre homem e natureza e entre homem e homem [...], entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e espécie. É o enigma da história solucionado [...]" (Aqui se torna vísivel novamente a influência da Fenomenologia do Espírito de Hegel). Infelizmente, ele não informa detalhadamente o que seria a sua concepção de comunismo, não explica suficientemente como deveria ser esse tal comunismo que seria a solução dos problemas da humanidade.
Só resta esta curta afirmação final a ser tratada: todos os sentidos humanos são degradados pela propriedade privada. Essa asserção se torna evidente se tomarmos como exemplo um negociante de minerais, porque esse não vê a beleza das jóias que negocia, mas sim o seu valor no mercado. Nessa condição alienada causada pela propriedade privada, não se pode apreciar nenhum objeto de verdade a não ser possuindo-o ou usando-o como um simples meio para algo. Portanto, somente a abolição da liberdade privada libertaria-nos os sentidos desta alienação e nos possibilitaria apreciar o mundo de uma forma verdadeiramente humana, ou melhor, da forma verdadeiramente humana.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Marx: Introdução

Desviei um pouco o curso das postagens por ter antecipado Proudhoun após já ter explicado (Na postagem sobre os Jovens Hegelianos) parte do contexto filosófico em que Marx se encontra, então hei de por-me em ordem agora.
Karl Marx seguira de certa forma a reinterpretação de Hegel como um filósofo do homem, e não do Espírito, do mesmo modo que Bauer e Feuerbach faziam. Porém, a partir da publicação de "A Questão Judaica" (1843), começou a enfatizar a questão material e econômica . Esse ensaio foi uma resposta ao modo como Bauer havia tratado a questão dos direitos civis e políticos para judeus, de modo que Marx discorda dele ao alegar que não é o sabá que devemos considerar, mas o cotidiano judeu. Nesse texto ele diagnostica o judeu como uma manifestação do que ele chama de "judaísmo na sociedade civil"; em outras palavras, a dominância dos interesses financeiros na sociedade em geral. Ao fazer isso, não é posta como causa da alienação da humanidade a religião, mas sim, o dinheiro. Karl sugere então que seria necessário uma reorganização da sociedade de modo a abolir as relações comerciais. Logo, ao dizer que "O dinheiro é o valor universal e autoconstitutivo de todas as coisas. Assim, ele privou o mundo todo, o mundo humano e também a natureza, de seu valor próprio. O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da vida do homem, e essa essência alienada o domina quando ele a cultua", Marx revela, de certa forma, o rumo para a liberdade humana.

O Proletariado entra em cena

Em "Introdução à crítica da Filosofia do Direito de Hegel", encontra-se a primeira vez em que Marx chega a conclusão de que só crítica não é o suficiente: "A arma da crítica evidentemente não pode substituir a crítica das armas. A força material tem de ser destruída pela força material. Contudo, a teoria também se torna uma força material uma vez que tenha atingido as massas". Com isso, ele deduz que é necessario de "uma classe com grilhões radicais (...), de uma esfera da sociedade com um caráter universal em virtude de seu sofrimento universal (...), uma esfera, em suma, que é a perda completa de humanidade e que só pode se emancipar por meio da emancipação completa da humanidade. Esta dissolução da sociedade como uma classe particular é o proletariado". Devido a isso: "A filosofia não pode ser realizada sem a superação do proletariado, o proletariado não pode ser superado sem a realização da filosofia". Por realização da filosofia entende-se a realização do processo dialético da humanidade, o qual foi ilustrado por Hegel em sua "Fenomenologia do Espírito". Marx também afirma que a classe média proprietária consegue obter liberdade para si com base nos direitos de propriedade, excluindo assim os outros da liberdade que conquistam, e, consequentemente, privando a classe trabalhadora, que possui somente seu título de seres humanos, da liberdade. Em decorrência de tudo isso, os proletariados só podem se libertar libertando consigo toda a humanidade. Resumindo, devido ao caráter universal da alienação humana, sua resolução tem de ser também por algo de caráter universal, e o proletariado tem essa universalidade devido à sua total privação, se tornando a resolução do problema da não-liberdade e da autoalienação humana no capitalismo. O proletariado não representa somente a classe trabalhadora para Marx, ele representa toda a humanidade.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A propriedade é um roubo!

"Se eu tivesse de responder à seguinte questão: o que é a escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu pensamento seria logo compreendio. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar ao homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é a propriedade?, não posso eu responder da mesma maneira: é um roubo, sem ter certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada?"
E assim se inicia "A Propriedade é um Roubo" de Pierre Joseph Proudhon, um dos grandes expoentes da economia política socialista e do anarquismo. Vou tentar, ao longo dessa postagem, demonstrar os pontos importantes que ele trata nesse texto.
Antes de começar a falar de propriedade, é importante ressaltar que Joseph lutava pela liberdade do homem, pela fim da opressão e, como todo homem de visão ampla, pelo fim da exploração do homem pelo homem. Porém, a anarquia que ele defende não é, como muitos pensam, uma total desorganização, mas sim uma "perfeita" organização. Proudhon foca a questão da organização da anarquia gerada pela liberdade, sendo esta essencialmente organizadora para ele, pois "para assegurar a igualdade entre os homens, o equilíbrio entre as nações, é preciso que a agricultura e a indústria, os centros de instrução de comério e de armazenamento sejam distribuídos segundo as condições geográficas e climáticas de cada país, a espécie de produtos, o caráter e os talentos naturais dos habitantes etc., em proporções tão justas, tão sábias, tão bem combinadas, que lugar algum apresente nem excesso nem ausência da população, de consumo e de produto. Aí começa a ciência do direito público e do direito privado, a verdadeira economia política", afirma ele. Desse modo, pode-se compreender melhor sua posição anarquista ao alegar que "A política é a ciência de liberdade: o governo do homem pelo homem, sob qualquer nome que se disfarce, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade se encontra na união da ordem e da anarquia" .
Agora, voltando para o assunto principal, para justificar que a propriedade é um roubo, Joseph usa o conceito da mais-valia de Marx. Assim, ele demonstra que, por meio da propriedade e explorando os proletariados, os capitalistas (Ou proprietários dos meios de produção) obtêm seu lucro, ou seja, por ter a propriedade e os meios de produção, o capitalista paga somente uma parcela do que o que o trabalhador produz, sendo a diferença entre o que o último produz pelo que o primeiro o paga o lucro do capitalista. Assim, a propriedade privada e os meios de produção fazem que o capitalista seja um ladrão e, portanto, a propriedade é roubo. Porém, ela é também impossível e homicida, já que "a propriedade, após despojar o trabalhador pela usura, assassina-o lentamente pelo esgotamento; ora, sem a espoliação e o assassinato a propriedade não é nada; com a espoliação e o assassinato ela logo perece, desamparada: logo, é impossível".
Para finalizar, deixo aqui algumas palavras dessa obra do Prodhoun :
"Jovem, que a corrupção do século indigna e que o zelo da justiça devora, se a pátria vos é querida, e se o interesse da humanidade vos toca, ousai abraçar a causa da liberdade. Renunciai a vosso velho egoísmo, mergulhai na onda popular da igualdade nascente; lá, vossa alma revigorada retirará uma seiva e um vigor desconhecidos: vosso espírito debilitado reencontrará uma indomável energia; vosso coração, talvez já enfraquecido, rejuvenescerá."

"Em meus primeiros relatórios, atacando de frente a ordem estabelecida, eu dizia, por exemplo, a propriedade é um roubo! Tratava-se de protestar, de, por assim dizer, colocar em relevo a fragilidade de nossas instituições."
- Proudhoun

terça-feira, 27 de julho de 2010

Um pouco sobre Hegel e os "jovens hegelianos"

A Fenomenologia do Espírito de Hegel é um pensamento de extrema importância, devido à sua reinterpretação por Marx, Feuerbach e Bauer principalmente (Para mim, esses fizeram o uso mais interessante da filosofia hegeliana).
De acordo com Hegel, existe um Espírito que é infinito e inerentemente universal, do qual somos todos parte. Mas em sua forma limitada, como o espírito de indivíduos particulares, não é consciente de sua universalidade. Essa não-autoconsciência, seria a "alienação" do Espírito de si mesmo, de modo que as pessoas vêem as outras como algo estranho e externo a si mesmas, quando na verdade todas fazem parte do mesmo todo (O Espírito universal). A Fenomenologia do Espírito apresenta o desenvolvimento do Espírito desde seu primeiro aparecimento como espíritos individuais alienados de si mesmos (e devido a essa alienação, os espíritos individuais ainda não são livres), até o Espírito livre e consciente de si (autoconsciente). O processo de seu desenvolvimento é a síntese de um processo lógico com um histórico e é dialético. O desenvolvimento do Espírito tem como objetivo chegar à liberdade, mas ele não pode ser livre estando alienado, pois estando alienado ele encontra barreiras e oposições a seu desenvolvimento completo, já que considera as outras pessoas como algo externo a si mesmo, como algo estranho. Essas forças externas e aparentemente estranhas limitam sua liberdade, pois se ele não está ciente dos seus próprios poderes infinitos não pode exercê-los para organizar o mundo de acordo com a sua vontade. Pode-se resumir esse progresso com a frase "A história do mundo não é nada mais que o progresso da consciência da liberdade" de Hegel.
É claro que não preciso declarar meu ateísmo e que não acredito em nenhum Espírito universal e inifinito. Por esses mesmos motivos, alguns filósofos, denominados de jovens hegelianos radicais , se deram o direito de esclarecer a teoria de Hegel e de acusá-lo de trair a sua própria filosofia (Ao parecer considerar o Estado prussiano como o grande Espírito, provavelmente por que dependia do salário que o Estado lhe pagava). Esses jovens hegelianos reinterpretaram o "Espírito" de Hegel como todas as mentes humanas, como a "autoconsciência humana", transformando assim o desenvolvimento da humanidade como um progresso rumo à liberdade humana. Isso também não quer dizer que Hegel não criticasse as religiões. Ele entendia a religião cristã como uma forma de alienação do espírito, pois enquanto os deuses se encontram na perfeição do céu os seres humanos vivem num "vale de lágrimas" relativamente insignificante. A natureza humana no cristianismo está dividida entre sua naturez essencial, imortal e divina, e sua naturez não-essencial, mortal e terrena. Desse modo, as pessoas vêem sua própria naturez essencial como sendo de outro domínio, logo, estão alienadas de sua existência mortal e do mundo que vivem. Mas ele considerou esta uma fase passageira da auto-alienação do Espírito e não concluiu nada sobre a religião.
Bauer reinterpretou essa ideia de modo a concluir que o cristianismo é a auto-alienação dos seres humanos. Para ele os próprios homens criaram Deus que agora parece ter existência independente, o que impede os homens de verem a si mesmos como a mais alta divindade. Essa conclusão tem um objetivo prático, pois ao mostrar à humanidade que Deus é sua criação, acabaria com a subordinação do homem a Deus e com a alienação dos seres humanos à sua própria natureza.
Feuerbach concordava com Bauer nesse sentido, mas alegou ainda, que Deus deve ser visto como a essência da humanidade projetada numa realidade estranha, exteriorizada. Todos os atributos de Deus, como o amor por exemplo, são na verdade características humanas, mas o homem as atribui, numa forma mais purificada, a Deus. Assim, quanto mais enriquecemos Deus com essas características, mais empobrecemo-nos delas, mais nos auto-alienamos e nos impedimos de ir rumo à liberdade. Disso surge a implicação de que a teologia é a antropologia disfarçada, de que aquilo que acreditamos a respeito de Deus refere-se, na verdade, a nós. Desse modo a humanidade poderia recuperar sua essência perdida na religião. Por mais essa teoria de Feuerbach pareça plausível, é irônico perceber que ele usa o método hegeliano não somente contra as religiões, mas até com a própria filosofia de Hegel! Ele alega que ao Hegel assumir o Espírito como a força principal da história e os homens como meras manifestações do Espírito, Hegel põe a essência dos seres humanos fora da humanidade e, do mesmo modo que as religiões, aliena o homem de si mesmo.

sábado, 17 de julho de 2010

Responsabilidade, Liberdade e Moral no existencialismo

A responsabilidade, de acordo com as obras de Sartre, decorre da obtenção da liberdade do indivíduo, pois a partir daí pode mudar sua vida e fazer escolhas. É verdade que somos privados de muitas liberdades e, como Sartre disse, não conhecemos a verdadeira liberdade, pois a que conhecemos é uma liberdade alienada. De acordo com ele a liberdade verdadeira irá surgir somente quando a filosofia marxista explodir, se realizar. Mas mesmo assim, não somos nunca privados de escolher, podemos tomar como um exemplo Stephen Hawking, que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), perdeu todos os seus movimentos, mas mesmo assim ainda escolhe, ainda assim escreve livros e realiza estudos importantes. Deixando um pouco de lado a questão da verdadeira liberdade que não podemos desfrutar, a liberdade que temos nos causa angústia, nos amedontra diante de toda a responsabilidade que temos que assumir ao tomar uma decisão. Ao escolher, não escolhemos somente o nosso futuro, não nos responsabilizamos somente pelo que vai acontecer a nós, nos responsabilizamos por nós e pelos outros, por toda a humanidade. Essa responsabilidade sartreana, que nos põe diante do mundo, que culpa-nos pela situação histórica que vivemos, é a filosofia da ação em si. Não há como nos depararmos com tamanho peso em nossos ombros e não fazermos nada, pois esse peso que carregamos é o pesar da liberdade, é a própria liberdade.
É possível fugir dessa responsabilidade por toda a humanidade negando a nossa liberdade ao dizer que optamos por algo devido aos costumes, às leis e à moralidade ou a uma religião que nos "controla". Mas a verdade é que estaríamos mentindo para nós mesmos. "Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo ..."(Sartre). É a nossa consciência que dá valor as coisas, que em si não tem valor nenhum. De acordo com Sartre isso é agir de "má-fé" (mauvaise foi no original). Logo, agir de má-fé é, para ele, esquivar-se da responsabilidade pelos próprios atos, depositando-a em alguma influência externa, podendo ser um deus, a lei ou a moralidade. Não existe algo como uma única moral ou ética para o existencialismo satriano. Cada momento e cada situação cria caminhos para serem escolhidos e para cada escolha é inventado um novo homem e uma nova moral.
Isso não significa que não exista uma moral e nada esteja errado. A responsabilidade antes dita leva a um homem responsável por uma escolha realizada, mas não apenas para ele, não só atráves da subjetividade dele, mas através de uma intersubjetividade que leva em conta a liberdade do outro, de toda humanidade e o seu compromisso com a situação. Por isso, não é importante que a moral seja fixa e absoluta, o que importa é que ela seja uma moral de compromisso, de responsabilidade, com a qual as escolhas são feitas em função da liberdade humana.
Outro ponto importante é a sua citação de que "todas as atividades humanas são equivalentes (...) Assim, vem dar no mesmo uma pessoa se embebedar sozinha ou liderar nações." É claro que as críticas seriam extremamente agressivas em relação a essa afirmação, mas ela está justificada pelo fato de que na filosofia de Sartre as pessoas escolhem realizar um ato melhor do que o outro por sua própria escolha; ou seja, ao agirmos, a nossa ação implica toda uma nova moralidade, quer gostemos ou não disso. Desse modo, somos responsáveis por toda uma ética, somos nós quem fazemos com que "liderar nações" seja melhor do que "se embebedar sozinho", nos mostrando que, ao nos conscientizarmos dos nossos atos, nos tornamos responsáveis por eles. Para o filósofo é isso que importa, ter consciência, pois, para ele, isso já bastaria para fazer pensar.
Em suma, da liberdade decorre o homem tal como é e toda a humanidade e história tal como se encontra, decorrendo também a responsabilidade do homem para com a humanidade. Responsabilidade que por sua vez leva à angústia e à criação de uma moral diferente para cada situação, mas que leva em conta a sua liberdade, a liberdade de todos os outros e o compromisso com a situação.

"O primeiro efeito do existencialismo é que ele coloca todo homem na posse de si mesmo tal como é e põe toda a responsabilidade por sua existência nos seus próprios ombros."

- Jean Paul Sartre

(Texto editado em 10/09)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A dor

A dor, o sofrimento, é com certeza algo que ninguém quer sentir e, talvez, por isso seja um assunto importante. Por que fugir dela? Pergunta estranha, mas será que carece de sentido?
Primeiramente, o sofrimento, a dor se afirma, é intensa, como dizia Schopenhauer: "Sentimos a dor, mas não a ausência da dor", ausência essa que seria a felicidade, o prazer. E, para comprovar que o desgosto é superior ao prazer, comparemos, como propõe Schopenhauer, a sensação de um animal que devora o outro com a sensação do que é devorado.
Outro ponto importante é que a dor é invevitável, como diriam os budistas, pois "Quem deseja, sofre; quem vive, deseja; a vida é dor." e podemos ainda, com uma visão pessimista, alegar que "A vida é uma história da dor, que se resume assim: sem motivo queremos sofrer e lutar sempre(...)" (Ambas as frases são de Schopenhauer).
Com dessas ideias em mente, devemos considerar também a afirmação de Nietzsche de que devemos basear nossos valores naquilo que se afirma, não naquilo que depende do outro para se afirmar, o que nos levaria a aceitar a dor, e não fugir dela como fazemos. Talvez soe extremamente pessimista tudo que foi dito até agora, mas será que realmente é pessimista aceitar a vida como ela é ao invés de procurar refúgio da realidade, de rejeitá-la? (Não é um incentivo ao conformismo, mas sim à aceitação da dor) Será que não é mais pessimista fugir da realidade? Não é mais pessimista fugir de sua própria vida, ignorá-la - pois a vida é dor e não queremos sofrer -, não querer vivenciá-la, não aproveitá-la e esperar apenas pelo momento em que somos mandados para um mundo divino aonde tudo é perfeito, reduzindo a vida a um nada ridículo? Bom, ao menos eu acho mais otimista viver e aceitar a vida como é do que reduzi-la ao nada.
Com isso vem a pergunta: Se não posso rejeitá-la, o que fazer com a dor então? Uma pergunta sem uma resposta única. Mas isso não impede de fazermos algo com ela ou de mostrar que se pode fazer algo dela e com ela. Georg Simmel, conhecido sociólogo alemão, disse "(...) a elevação essencial de nosso ser se efetua por meio da dor(...)", e certamente Nietzsche não discordaria do sociólogo alemão. Pense em todos os grandes poemas nascidos da dor, em todas as grandes obras de arte, nas grandes obras literárias e filosóficas que surgiram da dor de seu autor. A dor nos traz perguntas existencialistas, nos traz dúvidas e respostas, nos transforma, e por fim, se tivermos uma psique normal, nos eleva.
Por último, devemos agradecer pela existência da dor, que permite a existência do prazer, da felicidade e que enaltece a nossa alegria e os nossos bons momentos. (Não pretendo tornar ninguém masoquista com essas propostas, mas somente mostrar que a dor é a vida, é um sentimento, e que dela há de vir algo bom, só depende de nós fazermos algo dela.)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A esperança

A esperança é a última que morre, dizem por aí sem saber a estória por trás disso. Pesquisando um pouco sobre mitologia grega, podemos encontrar vários contos diferentes que originaram a frase, mas todos com a mesma essência. Narro apenas um para não lhe adiar muito a questão principal.
Prometeu e Epimeteu foram encarregados de criar os animais e a raça humana. Epimeteu, primeiramente, atribuiu características aos animais para que esses pudessem sobreviver, mas ao chegar o momento de criar os humanos carecia de caractéristicas para fazê-los superiores às outras raças. Devido a isso, pediu ajuda ao seu irmão Prometeu, que roubou o fogo dos deuses e deu-o aos homens, concedendo-lhes a superioridade aos outros animais. Zeus prendeu Prometeu numa montanha na qual uma águia gigante comia-lhe as vísceras, que eram regeneradas todas as noites, por trinta mil anos. Antes disso, Zeus havia deixado com Epimeteu uma caixa com todos os males e pediu para que cuidasse dela, pois causaria desgraça aos homens se aberta. De acordo com o pedido de Zeus, botou-a entre duas gralhas no fundo de sua caverna, que o avisariam caso alguém se aproximasse. Em seguida, desconsiderando a advertência de Prometeu quanto aos presentes de Zeus, casou-se com Pandora, que fora oferecida por Zeus. Pandora foi a primeira mulher na Terra, criada por vários deuses do olimpo em conjunto. A consequência disso foi que Pandora conseguiu seduzir Epimeteu para que esse tirasse as gralhas da caverna e, após terem feito amor, com Epimeteu adormecido, Pandora abriu a caixa que espalhou todos os males de forma tão assutadora que a fez fechá-la rapidamente, deixando a esperança em seu interior. Os males são todos que podemos constatar durante toda a história como a mentira, guerras, morte, inveja, loucura. Daí veio a ideia de que a esperança é a última que morre.
Será a esperança realmente boa? Em algumas versões dessa história a esperança é um mal, noutras é o único bem, mas consideram a paixão também algo ruim. Apoiando essas versões, a esperança, nada mais é que um artifício para nos conformarmos com o que não deu certo, com o que não está certo para nós. Será que realmente vale a pena nos dar ao luxo de ter esperanças? "A esperança nos faz esperar" e, conseqüentemente, nos conformar com o que não está certo ao ter a esperança de que tudo ficará OK. Mas a verdade é que nada ficará na sua devida ordem se você simplesmente sentar e esperar, pois é o homem quem faz o seu próprio destino e é responsável pelo seu período histórico. Em Pensamentos, de Pascal, lê-se :"Assim nunca vivemos, esperamos viver; e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos" . E ainda ousa mais, nos dá como solução o desespero, a desesperança, a não esperança, nos diz que a felicidade não está na esperança, está no conhecer, no amar, no desejar, no realizar de algo. Seria a esperança conformista? Talvez não, pois com ela se fez as maiores revoluções que a história já vi. Mas a charada já fora matada há 200 anos por Schopenhauer... (De maneira alguma o que eu disse é uma desculpa pra você ser intolerante, a intolerância já foi ultrapassada desde Locke.)

"É mais seguro confiar no medo do que na esperança".
-Schopenhauer


Vamos nos dar esperanças e deixar tudo como está? Ou vamos sair na rua para protestar?