terça-feira, 27 de julho de 2010

Um pouco sobre Hegel e os "jovens hegelianos"

A Fenomenologia do Espírito de Hegel é um pensamento de extrema importância, devido à sua reinterpretação por Marx, Feuerbach e Bauer principalmente (Para mim, esses fizeram o uso mais interessante da filosofia hegeliana).
De acordo com Hegel, existe um Espírito que é infinito e inerentemente universal, do qual somos todos parte. Mas em sua forma limitada, como o espírito de indivíduos particulares, não é consciente de sua universalidade. Essa não-autoconsciência, seria a "alienação" do Espírito de si mesmo, de modo que as pessoas vêem as outras como algo estranho e externo a si mesmas, quando na verdade todas fazem parte do mesmo todo (O Espírito universal). A Fenomenologia do Espírito apresenta o desenvolvimento do Espírito desde seu primeiro aparecimento como espíritos individuais alienados de si mesmos (e devido a essa alienação, os espíritos individuais ainda não são livres), até o Espírito livre e consciente de si (autoconsciente). O processo de seu desenvolvimento é a síntese de um processo lógico com um histórico e é dialético. O desenvolvimento do Espírito tem como objetivo chegar à liberdade, mas ele não pode ser livre estando alienado, pois estando alienado ele encontra barreiras e oposições a seu desenvolvimento completo, já que considera as outras pessoas como algo externo a si mesmo, como algo estranho. Essas forças externas e aparentemente estranhas limitam sua liberdade, pois se ele não está ciente dos seus próprios poderes infinitos não pode exercê-los para organizar o mundo de acordo com a sua vontade. Pode-se resumir esse progresso com a frase "A história do mundo não é nada mais que o progresso da consciência da liberdade" de Hegel.
É claro que não preciso declarar meu ateísmo e que não acredito em nenhum Espírito universal e inifinito. Por esses mesmos motivos, alguns filósofos, denominados de jovens hegelianos radicais , se deram o direito de esclarecer a teoria de Hegel e de acusá-lo de trair a sua própria filosofia (Ao parecer considerar o Estado prussiano como o grande Espírito, provavelmente por que dependia do salário que o Estado lhe pagava). Esses jovens hegelianos reinterpretaram o "Espírito" de Hegel como todas as mentes humanas, como a "autoconsciência humana", transformando assim o desenvolvimento da humanidade como um progresso rumo à liberdade humana. Isso também não quer dizer que Hegel não criticasse as religiões. Ele entendia a religião cristã como uma forma de alienação do espírito, pois enquanto os deuses se encontram na perfeição do céu os seres humanos vivem num "vale de lágrimas" relativamente insignificante. A natureza humana no cristianismo está dividida entre sua naturez essencial, imortal e divina, e sua naturez não-essencial, mortal e terrena. Desse modo, as pessoas vêem sua própria naturez essencial como sendo de outro domínio, logo, estão alienadas de sua existência mortal e do mundo que vivem. Mas ele considerou esta uma fase passageira da auto-alienação do Espírito e não concluiu nada sobre a religião.
Bauer reinterpretou essa ideia de modo a concluir que o cristianismo é a auto-alienação dos seres humanos. Para ele os próprios homens criaram Deus que agora parece ter existência independente, o que impede os homens de verem a si mesmos como a mais alta divindade. Essa conclusão tem um objetivo prático, pois ao mostrar à humanidade que Deus é sua criação, acabaria com a subordinação do homem a Deus e com a alienação dos seres humanos à sua própria natureza.
Feuerbach concordava com Bauer nesse sentido, mas alegou ainda, que Deus deve ser visto como a essência da humanidade projetada numa realidade estranha, exteriorizada. Todos os atributos de Deus, como o amor por exemplo, são na verdade características humanas, mas o homem as atribui, numa forma mais purificada, a Deus. Assim, quanto mais enriquecemos Deus com essas características, mais empobrecemo-nos delas, mais nos auto-alienamos e nos impedimos de ir rumo à liberdade. Disso surge a implicação de que a teologia é a antropologia disfarçada, de que aquilo que acreditamos a respeito de Deus refere-se, na verdade, a nós. Desse modo a humanidade poderia recuperar sua essência perdida na religião. Por mais essa teoria de Feuerbach pareça plausível, é irônico perceber que ele usa o método hegeliano não somente contra as religiões, mas até com a própria filosofia de Hegel! Ele alega que ao Hegel assumir o Espírito como a força principal da história e os homens como meras manifestações do Espírito, Hegel põe a essência dos seres humanos fora da humanidade e, do mesmo modo que as religiões, aliena o homem de si mesmo.

sábado, 17 de julho de 2010

Responsabilidade, Liberdade e Moral no existencialismo

A responsabilidade, de acordo com as obras de Sartre, decorre da obtenção da liberdade do indivíduo, pois a partir daí pode mudar sua vida e fazer escolhas. É verdade que somos privados de muitas liberdades e, como Sartre disse, não conhecemos a verdadeira liberdade, pois a que conhecemos é uma liberdade alienada. De acordo com ele a liberdade verdadeira irá surgir somente quando a filosofia marxista explodir, se realizar. Mas mesmo assim, não somos nunca privados de escolher, podemos tomar como um exemplo Stephen Hawking, que sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), perdeu todos os seus movimentos, mas mesmo assim ainda escolhe, ainda assim escreve livros e realiza estudos importantes. Deixando um pouco de lado a questão da verdadeira liberdade que não podemos desfrutar, a liberdade que temos nos causa angústia, nos amedontra diante de toda a responsabilidade que temos que assumir ao tomar uma decisão. Ao escolher, não escolhemos somente o nosso futuro, não nos responsabilizamos somente pelo que vai acontecer a nós, nos responsabilizamos por nós e pelos outros, por toda a humanidade. Essa responsabilidade sartreana, que nos põe diante do mundo, que culpa-nos pela situação histórica que vivemos, é a filosofia da ação em si. Não há como nos depararmos com tamanho peso em nossos ombros e não fazermos nada, pois esse peso que carregamos é o pesar da liberdade, é a própria liberdade.
É possível fugir dessa responsabilidade por toda a humanidade negando a nossa liberdade ao dizer que optamos por algo devido aos costumes, às leis e à moralidade ou a uma religião que nos "controla". Mas a verdade é que estaríamos mentindo para nós mesmos. "Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo ..."(Sartre). É a nossa consciência que dá valor as coisas, que em si não tem valor nenhum. De acordo com Sartre isso é agir de "má-fé" (mauvaise foi no original). Logo, agir de má-fé é, para ele, esquivar-se da responsabilidade pelos próprios atos, depositando-a em alguma influência externa, podendo ser um deus, a lei ou a moralidade. Não existe algo como uma única moral ou ética para o existencialismo satriano. Cada momento e cada situação cria caminhos para serem escolhidos e para cada escolha é inventado um novo homem e uma nova moral.
Isso não significa que não exista uma moral e nada esteja errado. A responsabilidade antes dita leva a um homem responsável por uma escolha realizada, mas não apenas para ele, não só atráves da subjetividade dele, mas através de uma intersubjetividade que leva em conta a liberdade do outro, de toda humanidade e o seu compromisso com a situação. Por isso, não é importante que a moral seja fixa e absoluta, o que importa é que ela seja uma moral de compromisso, de responsabilidade, com a qual as escolhas são feitas em função da liberdade humana.
Outro ponto importante é a sua citação de que "todas as atividades humanas são equivalentes (...) Assim, vem dar no mesmo uma pessoa se embebedar sozinha ou liderar nações." É claro que as críticas seriam extremamente agressivas em relação a essa afirmação, mas ela está justificada pelo fato de que na filosofia de Sartre as pessoas escolhem realizar um ato melhor do que o outro por sua própria escolha; ou seja, ao agirmos, a nossa ação implica toda uma nova moralidade, quer gostemos ou não disso. Desse modo, somos responsáveis por toda uma ética, somos nós quem fazemos com que "liderar nações" seja melhor do que "se embebedar sozinho", nos mostrando que, ao nos conscientizarmos dos nossos atos, nos tornamos responsáveis por eles. Para o filósofo é isso que importa, ter consciência, pois, para ele, isso já bastaria para fazer pensar.
Em suma, da liberdade decorre o homem tal como é e toda a humanidade e história tal como se encontra, decorrendo também a responsabilidade do homem para com a humanidade. Responsabilidade que por sua vez leva à angústia e à criação de uma moral diferente para cada situação, mas que leva em conta a sua liberdade, a liberdade de todos os outros e o compromisso com a situação.

"O primeiro efeito do existencialismo é que ele coloca todo homem na posse de si mesmo tal como é e põe toda a responsabilidade por sua existência nos seus próprios ombros."

- Jean Paul Sartre

(Texto editado em 10/09)