domingo, 12 de dezembro de 2010

O Ser e o Nada

Antes de qualquer coisa, essa postagem não é um resumo do livro O Ser e o Nada de Jean Paul Sartre, mas sim uma elucidação dos conceitos de ser, não-ser (O nada), ser-em-si e de ser-para-si. A relação entre esses conceitos é fundamental para a compreensão da filosofia de Sartre, pois "a lógica deste relacionamento [Do ser com o nada] é o ponto-chave na simplificação das complexidades de Sartre e no entendimento de suas muitas formuações paradoxais" (Gary Cox). Só para prevenir os leitores desavisados, a estrutura dessa relação é paradoxal, especialmente quando se trata do para-si. É bom levar em conta que o ser e o nada são somente abstrações utilizadas para explicar a realidade, são como, na física, decompor um vetor para facilitar o entendimento. O que existe na verdade, para Hegel, é o devir.
Primeiramente, é notável que: o ser é e o nada (não-ser) não é. Por isso existe uma dependência do não-ser (Que é o nada) para com o ser, pois o não-ser é uma negação do ser e, portanto, não pode existir sem o ser. Já o ser não é dependente do não-ser, ao menos não ontologicamente. Contudo, epistemologicamente, o ser precisa do não-ser para se determinar e se revelar.¹ O que ele quer dizer é que o não-ser não é preciso para o ser do ser, enquanto o ser é exigido para o não ser do não-ser. Disso decorre que o ser e o não-ser não são contemporâneos, uma vez que "logicamente, o nada é subseqüente ao ser, pois [O ser] é primeiramente posicionado e depois negado". Assim, o ser tem que existir antes do não-ser, pois é necessário que o ser exista antes para possibilitar a sua negação, que é o não-ser. Já que o ser existe antes do não-ser, ele não pode necessitar do não-ser como seu fundamento, ele precisa positivar-se em si mesmo, ou, como Sartre prefere dizer, o ser precisa ser em-si mesmo. "O ser é. O ser é em-si mesmo. O ser é o que é". Ele chama então, o ser de ser-em-si, mas o abrevia freqüentemente para em-si. O filósofo faz então alguns comentários sobre o ser e o não-ser: "se eu recusar permitir ao ser alguma determinação ou conteúdo, sou, entratanto, forçado a afirmar pelo menos que ele o é. Portanto, deixe qualquer um negar o ser sempre que quiser, ele jamais poderá fazer com que ele não seja, graças ao próprio fato de negar que ele é isso ou aquilo". A partir dessas conclusões, o existencialista afirma que o ser-em-si é o que é e não é o que não é, todavia, o que não é (O nada ou não-ser) é. É claro que o não-ser não é no sentido de ser - isso implicaria num não-ser indistinguível do ser-em-si -, mas no sentido de ter que ser. Em contraste com o ser-em-si, que simplesmente é, sem ter que atingir seu ser, o não-ser que antingir por si mesmo seu ser como o não ser do ser-em-si, negando perpetuamente o ser-em-si. Logo, Sartre denomina o não-ser como em-si também (Explicarei o porquê melhor em seguida*), mas abrevia-o como para-si. A partir deste ponto, já começam deduções mais ou menos contraditórias sobre esses estados que tentarei explicar simplificando na medida do possível.
Com esses fatos em mente, o não-ser se torna o estado eternamente desejado pelo para-si, uma vez que, se o para-si atingisse o não-ser, ele não seria por si próprio - *e por isso foi denominado como em-si também -, o para-si não precisaria do ser para negá-lo e, portanto, é impossível o para-si atingir o estágio de não-ser. O não-ser-em-si é então chamado por Sartre de para-si-em-si. Para simplificar, o para-si deve ser pensado como uma negação perpétua do ser, e não a negação do ser-em-si; ou seja, o para-si é o não-ser do ser, e não o não-ser do ser-em-si, que é o para-si-em-si, que por sua vez, é a negação-em-si. Aqui gostaria de abrir um parenteses para demonstrar mais um meio de justificar o ateísmo. Essa negação-em-si (Para-si-em-si) supõe que a sua essência reside nessa mesma negação, fazendo-a existir por si só. Aí encontramos o ateísmo, pois o argumento ontológico para a existência de Deus (inicialmente formulado pelo clero Anselmo no Proslogion) é que sua essência e existência são a mesma coisa. Contudo, é impossível o nada possuir sua essência em si mesmo, pois ele é uma negação do ser-em-si, e , portanto, necessita do ser-em-si para negá-lo e existir. Voltando ao para-si, Sartre o definiu certa vez como "um ser que não é o que é [o ser] e que é aquilo que não é [o nada]".
Depois de toda essa teoria um pouco repetitiva chega a parte interessante, a consciência. A consciência é ontologicamente um não-ser em relação ao ser, em outras palavras, ela é uma negação do ser. Todas as pessoas são então uma relação de um para-si (A consciência) com um em-si (Um objeto por exemplo). Devido a isso, todos são livres, pois o para-si não possui essência definida, é a consciência que molda a sua própria essência. A consciência então transcende, pois o para-si é um movimento para além de si, dando um caráter relacional à realidade humana, se relacionando consigo mesmo e com os objetos a sua volta. Para terminar, a consciência só existe sendo consciência de algo, ela existe até onde pretende ser algo mais, e isso é chamado pela fenomenologia de intencionalidade. (De modo algum a "parte interessante" acaba por aqui, mas achei melhor deixar pra próxima).

1 - O ser, que por si só é indeterminado (por que o ser é, e nada mais; ou seja, o ser é um vazio de todas as outras determinações além da de ser), somente poderá adquirir conhecimento sobre si por meio da reflexão. A reflexão necessita que exista uma diferença entre o que reflete e o que é refletido. Sendo assim, o não-ser é necessário para que o ser tome conhecimentos sobre si próprio.